Aquela dor não passa e a cicatriz
ainda persiste em cima da pele, fazendo questão de alertar. Foi tão intensa quanto, tão cortante. E ai tentou
se curar, amenizar a dor, apagar as marcas. Não foi capaz, curava fazendo
escorrer pelos olhos um pouco do que lhe transbordava por dentro, não era
firme, não era forte, não era mais nem melhor, era pequena, era frágil, era
normal. A cicatriz nunca se vai, mesmo
que vá, inda há lembranças, ainda restam os medos, as fragilidades, quem sabe
seja uma forma de lhe dizer: menina, se dê o direito de chorar, de por pra
fora. Marcas vão ficar, criamos marcas todos os dias, umas mais fundas, outras
mais rasas, lidamos com as marcas do passado, lidamos com o medo de se machucar
de novo, lidamos com o passado e com o futuro agora no presente. Curava e lhe
escorria pelos olhos mais e mais e quando a dor foi passando, ficou sozinha no
quarto, olhando as paredes, vendo o quanto sua fortaleza é de vidro, vendo o
quanto é capaz de ir por terra cada palavra de orgulho mascarado que dizia ser
forte, vendo enfim, que é humana e que chora e que tem medo do machucado
sangrar novamente. Já não é mais uma criança, mas que bom seria se ainda lhe
restasse aquela coragem toda que se tinha quando pequena, aquela coragem de
arriscar e não lhe perguntar o que tem a perder. Quem sabe porque agora tem
algo a perder, pelo menos a consciência lhe alerta. O mundo está pesado demais
pra que lhe carregue nas costas, as marcas são fortes demais pra sair com
maquiagem e um blush pra lhe dar mais alegria. As marcas ainda lhe fazem
escorrer pelo rosto, a cicatriz não vai sumir, não vai deixar de ser aberta e
se cortar de novo, mas não permita, menina, que o futuro seja baseado na
cicatriz, se vier uma nova, aprenda, guarde, mas permita-se o risco de viver.