28 maio, 2016

O risco de viver

Aquela dor não passa e a cicatriz ainda persiste em cima da pele, fazendo questão de alertar.  Foi  tão intensa quanto, tão cortante. E ai tentou se curar, amenizar a dor, apagar as marcas. Não foi capaz, curava fazendo escorrer pelos olhos um pouco do que lhe transbordava por dentro, não era firme, não era forte, não era mais nem melhor, era pequena, era frágil, era normal.  A cicatriz nunca se vai, mesmo que vá, inda há lembranças, ainda restam os medos, as fragilidades, quem sabe seja uma forma de lhe dizer: menina, se dê o direito de chorar, de por pra fora. Marcas vão ficar, criamos marcas todos os dias, umas mais fundas, outras mais rasas, lidamos com as marcas do passado, lidamos com o medo de se machucar de novo, lidamos com o passado e com o futuro agora no presente. Curava e lhe escorria pelos olhos mais e mais e quando a dor foi passando, ficou sozinha no quarto, olhando as paredes, vendo o quanto sua fortaleza é de vidro, vendo o quanto é capaz de ir por terra cada palavra de orgulho mascarado que dizia ser forte, vendo enfim, que é humana e que chora e que tem medo do machucado sangrar novamente. Já não é mais uma criança, mas que bom seria se ainda lhe restasse aquela coragem toda que se tinha quando pequena, aquela coragem de arriscar e não lhe perguntar o que tem a perder. Quem sabe porque agora tem algo a perder, pelo menos a consciência lhe alerta. O mundo está pesado demais pra que lhe carregue nas costas, as marcas são fortes demais pra sair com maquiagem e um blush pra lhe dar mais alegria. As marcas ainda lhe fazem escorrer pelo rosto, a cicatriz não vai sumir, não vai deixar de ser aberta e se cortar de novo, mas não permita, menina, que o futuro seja baseado na cicatriz, se vier uma nova, aprenda, guarde, mas permita-se o risco de viver.